A
prescritibilidade da pena de prisão na Lei 11817, de 24 de julho de 2000
(Código Disciplinar dos Militares do
Estado de Pernambuco)
Vilmarde
Barbosa da Costa
Major
da Polícia Militar de Pernambuco
Bel
em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira
Pós
graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola de Magistratura de
Pernambuco
Pós
graduado em Gestão Governamental pela Universidade de Pernambuco
Pós
graduando em Ciências Criminais Militares pela
Faculdades Integradas Barros Melo
O tempo é uma instituição social, antes
de ser um fenômeno físico. Indubitavelmente ele apresenta uma realidade
objetiva, como é a sucessão do dia e da noite ou envelhecimento do ser humano.
Mas, quer o apreendamos sob sua face objetiva ou subjetiva, o tempo é, inicialmente
e antes de tudo, uma construção social – e logo, um desafio de poder, uma
exigência ética e um objeto jurídico (NASSAR, 2009).
Assim, é necessária a compreensão dos
fatos e atos jurídicos sob a ótica da temporalidade que permeia todas as
relações de convivência humana, versando o decurso de tempo como fator de
consolidação das relações jurídicas e de sua estabilidade (NASSAR, 2009).
Deste modo, o que se pretende é expor
algumas considerações a respeito dos prazos contidos na lei 11817, de 24 de julho
de 2000, e especialmente do instituto da prescrição, que no sentido técnico,
significa a extinção da iniciativa de punir, resultado da inércia, durante
certo lapso de tempo, do poder público na perseguição da infração ou na
execução da sanção.
Assim, no que se refere a lei 11817, de
24 de julho de 2000, entre outros, observam-se a contemplação de prazos que
tratam da parte disciplinar, da notificação do transgressor e do julgamento a
ser proferido pela comandante, diretor ou chefe. Incide contudo, que todos
estes prazos são meramente referenciais, tendo por finalidade evitar que os
responsáveis se alonguem na adoção de providências elencadas na citada lei.
Entrementes, em hipótese alguma, o não atendimento dos referidos prazos
extinguem a punibilidade a ser aplicada ao militar estadual transgressor, visto
que em momento algum o legislador nem expressa nem implicitamente deixou margem
de interpretação neste sentido. Assim, mesmo ultrapassado os prazos previstos
na lei em comento, pode a autoridade com competência para punir, atendido o
devido processo legal, punir disciplinarmente o militar estadual.
Mas diante desta realidade surge uma
pergunta: 1) O Comandante, Chefe e Diretor pode punir a qualquer tempo o
militar estadual transgressor?
É induvidoso hodiernamente na doutrina
e na jurisprudência que a regra no direito pátrio é da prescritibilidade,
ressalvado a exceção prevista na Constituição Federal quanto a ação de
ressarcimento ao erário. Entrementes, mesmo com tal premissa notória, o
legislador pernambucano foi omisso no que diz respeito à prescritibilidade da
pretensão punitiva no regramento disciplinar militar, não fazendo qualquer
menção do referido instituto no diploma legal em tela.
Deste modo, e conforme visto, a regra
adotada pelo constituinte federal é da prescritibilidade, portanto deve, ou
pelo menos deveria, o legislador pernambucano ter incluído na lei 11817/2000,
prazos que tratassem extinção da punibilidade disciplinar pelo decurso de
tempo. Entretanto, mesmo diante da omissão legislativa, a constituição federal
no caso ora em discussão não permite que a referida omissão seja interpretada
em desfavor do administrado. Destarte, o comandante, diretor ou chefe não pode
aplicar a pena de prisão a qualquer tempo.
Neste diapasão, entender que o Código
Disciplinar do Estado de Pernambuco contemplou a tese que a pena de prisão pode
ser aplicada a qualquer tempo é elevar o legislador estadual
infraconstitucional a categoria superior a do constituinte federal, que de fato
privilegiou a teoria da prescritibilidade.
A prescrição deriva diretamente do
princípio da segurança jurídica, que rege os atos da administração pública. Na
verdade, revela-se ofensivo ao referido princípio que um servidor, depois de 10
(dez), 15 (quinze) anos do cometimento do ilícito administrativo, esteja ainda
sujeito a interminável e imprevisível expectativa de ser punido pela
administração pública ( CARVALHO, 2011, P. 947).
Conforme observou Paulin, qual seria a lógica de se conceder ao
criminoso o direito de ver seus delitos prescreverem e se negar este mesmo
direito a um administrado? É algo inconcebível. Desse modo, impõe-se asseverar
que o administrado deve ter tratamento, por parte deste Estado, no mínimo,
idêntico ao concedido ao delinqüente. Logo, se o Estado reconhece a
prescritibilidade de delitos de caráter criminal, reconhece, com maior razão, a
prescritibilidade de infrações administrativas (PAULIN, 2001, p. 74).
Entrementes, surge outro
questionamento: se é prescritível, qual é o prazo máximo para a ocorrência da
prescrição da punibilidade quanto a pena de prisão no Código Disciplinar dos
Militares do Estado de Pernambuco?
Vejamos.
O Decreto
3639, de 19 de agosto de 1975, que rege as situações de submissão da Praça com
estabilidade, tanto da PMPE, como do CBMPE, a Conselho de Disciplina e o seu
devido rito processual a ser observado na referida instrução, diz no artigo 17 que prescrevem em 6 (seis) anos, computados da data em que foram
praticados, os casos previstos no diploma legal em apreço.
Assim,
concluso o Conselho de Disciplina pela culpa do militar aconselhado, a pena a
ser aplicada, obedecendo a devida proporcionalidade, será a de exclusão das
fileiras da Corporação militar. A referida pena é a mais grave que uma praça
pode receber no seio da Corporação. Deste modo, se a pena mais gravosa em
virtude de uma infração administrativa pura prescreve em 06 (seis) anos,
nenhuma outra pena disciplinar menos gravosa pode ultrapassar o tempo acima
retromencionado.
Deste modo, 06 (seis) anos é o primeiro
marco legal máximo para a aplicação de qualquer pena no âmbito das Corporações
militares do Estado de Pernambuco.
Incide contudo que tal ilação nos
conduz a outro interessante questionamento: se a pena de exclusão e prisão são
de gravidades distintas, como poderiam ter o mesmo prazo prescricional?
Entendo que não é razoável nem
proporcional adotar o mesmo tempo para todas as penas disciplinares. À guisa de
exemplo, a lei 8112, de 11 de dezembro de 1990, traz prazos prescricionais
distintos para os fatos punidos com suspensão e demissão.
Dispõe a Lei 8112, de 11 de dezembro de
1990,
Art.142 - A ação disciplinar
prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às
infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e
destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à
suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias,
quanto a advertência.
Assim, se o decreto 3639/75, já prevê
que para a pena mais grave que é de exclusão a prescrição ocorre em 06 (seis)
anos, é cediço que homenagearíamos os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade, a adoção de um prazo menor para o ocorrência de prescrição para
a pena de prisão.
Contudo, surge inevitavelmente outro
importante questionamento: qual seria o tempo e o diploma legal a ser
observado?
Vejamos,
Se existe uma lacuna, deve-se recorrer
a uma lei análoga, conforme o estabelecido no art. 4º da Lei de Introdução ao
Código Civil que dispõe: “quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Neste sentido o Poder Judiciário já se
manifestou afirmando que se a lei é omissa
a respeito da prescrição das penas disciplinares e, por isso, deve o intérprete
recorrer à analogia, porque repugna à consciência jurídica brasileira a
imprescritibilidade das penas disciplinares(...)
Desta forma,
e considerando que o Direito Administrativo adotou em diversas normas, como
regra, o prazo máximo de prescrição de cinco anos, tanto em favor como contra a
administração pública, reputo precioso o ensino de Hely
Lopes Meirelles, que afimou que a prescrição administrativa depende de lei. Se
esta não estiver estabelecida, é mister basear-se em outra, similar, que,
segundo o autor, é o Decreto Federal nº
20.910/32, que em seu artigo 1º diz que as dívidas passivas da União, dos
Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a
Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Neste diapasão, embora a lei fale de
dívidas passivas dos entes políticos, e no caso especificado a lei fale de
prazo prescricional em desfavor do administrado, observa-se que os tribunais
vem aplicando o referido prazo quinquienal também contra a administração
pública por imperativo do princípio da isonomia.
Assim já decidiu o STJ,
O
prazo para a cobrança da multa aplicada em virtude de infração administrativa
ao meio ambiente é de cinco anos, nos termos do Decreto n.º 20.910/32, aplicável
por isonomia por falta de regra específica para regular esse prazo
prescricional ( Grifo nosso) (Resp 1115078 / RS,
Rel Min. Castro Meira).
Além do princípio da igualdade, o
instituto visa resguardar, com a sequencia do tempo, a estabilidade das
situações jurídicas. Conta-se tempo igual para ambos (grifo nosso) (Resp
136204-RS, Rel. Min Vicente Cernicchiaro).
E mais,
Inexistindo regra própria para definir
a prescrição da ação disciplinar da administração pública, objetivando apurar
infração funcional, deve ser considerado o prazo geral para a prescrição
administrativa, que é de 05 (cinco) anos (Resp 758386, Rel. Min. Francisco
Peçanha).
Em síntese, inobstante a lei 11817/2000
(Código Disciplinar dos Militares do
Estado de Pernambucano), não contemplar prazo prescricional não significa que
os comandantes, diretores e chefes possam a qualquer tempo punir aqueles que
estão sob sua subordinação com a pena disciplinar de prisão. Como visto, por
preceito constitucional, a regra é a da prescritibilidade.
E ainda.
A pena de exclusão para as infrações
administrativas puras prescrevem em 06 (seis) anos, por fulcro no artigo 17 do
decreto estadual 3639/1975. Assim, como a pena de exclusão prescreve no prazo
acima referenciado, a pena de prisão que é menos grave, e por observância aos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve prescrever em um prazo
menor. Destarte, pelo fato do Código Disciplinar dos Militares do Estado não
dispor de prazo prescricional para a pena de prisão, a nosso sentir, a
Administração Pública deve adotar o prazo de 05 (cinco) anos, por ser este
prazo regra no direito administrativo e estar contemplado nos principais
ordenamentos juridicos do país e alicerçado na jurisprudência dos tribunais
brasileiros.
Referências bibliográficas
NASSAR, Elody. Prescrição na
Administração Pública. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
Administrativo Brasileiro. Ed. Rio de Janeiro: Malheiros.
Paulin, Luiz Alfredo. Da Prescrição
Administrativa em relação a infração cuja fiscalização cabe ao Banco Central do
Brasil. In Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem.
Ano 4, julho – setembro de 2001.
NOGUEIRA, Nilza Pinto. Da Prescrição da
Punibilidade no Processo Administrativo – O caso da Comisssão de Valores
Mobiliários. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
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