Globalização: as conseqüências humanas
Globalization: the human consequences
Lucimara Rocha de OLIVEIRA
RESUMO
A seguinte resenha apresenta as idéias e teorias proporcionadas pelo
autor Zygmunt Bauman sobre a questão da globalização e as conseqüências
dela. Este autor propõe uma teoria de “compreensão do espaço e tempo”
através de exemplos da imobilidade dos dominados e a organização espacial
como instrumento opressor. Argumenta que a globalização, visando uma
produtividade alta e um imediatismo cultural, acaba com a aprendizagem e
promove um distanciamento ainda maior entre as classes alta e baixa.
Palavras-chave: encarceramento, globalização, imobilização,
isolamento.
ABSTRACT
The following review presents the ideas and theories put forth by the
author Zygmunt Bauman regarding the issue of globalization and its
consequences. This author proposes a theory of “compression of space and
time” by means of examples of immobility of the dominated classes and
spatial organization as an instrument for oppression. He argues that
globalization, focusing on high productivity and cultural “immediatism”,
exterminates learning and promotes an even further distancing between the
upper and lower classes.
Index Terms: globalization, immobility, imprisonment, isolation.
1. Tempo e classe
“A companhia pertence às pessoas que nela investem – não aos seus
empregados, fornecedores ou à localidade em que se situa”. (p. 13) . Este é
um princípio que usamos para explicar o mundo, com verdades que não
precisam de explicações.
Livres são os proprietários, pois têm o direito de decidir, enquanto os
trabalhadores estão presos a toda sorte de compromissos e os fornecedores
só têm vantagens enquanto a empresa estiver na localidade. Só os acionistas
podem ir e vir, comprar e vender.
A mobilidade tornou-se o fator de estratificação mais poderoso e
cobiçado, ela constrói e reconstrói a nova hierarquia globalizada, criando
um tipo de proprietário ausente, preocupado em extrair os tributos e lucros,
deixando os subalternos à própria sorte.
As antigas propriedades absolutas do espaço foram revogadas. O
mundo dos homens era limitado pelo espaço e pelo tempo, um espaço e
tempo absolutos. Essa restrição espaço-temporal era limitada pelo alcance
das idéias e pela velocidade da mudança das coisas e dos costumes, criando
a tão bem conhecida estabilidade das sociedades.
A realidade das fronteiras sempre foi um fenômeno de classe, os
ricos do passado eram mais cosmopolitas, e tinham uma “cultura própria,
que desprezava as fronteiras que confinavam as classes inferiores”. (p. 20).
Hoje elas são ainda mais tênues. Bill Clinton declarou recentemente que
não havia diferença entre política externa e interna.
A nova velocidade e mobilidade afastaram quase tudo para além do
olho ou do braço humano, mudaram o espaço para artificial, sem interação.
A Internet eliminaria as distâncias promovendo a comunicação instantânea.
No ciberespaço os corpos não importam, embora as leis do ciberespaçoatuem nos corpos. Os poderosos não precisam ser fortes, eles só precisam
estar isolados, garantidos pela segurança, inacessíveis aos locais.
A busca de marcação do espaço enseja assim uma contínua batalha,
onde cada grupo procura demarcar seu espaço, a elite pode e paga por seu
isolamento e os que não podem freqüentemente agem de forma agressiva,
demonstrando através dos modos, das roupas ou confrontos. “Se a nova
extraterritorialidade da elite parece uma liberdade intoxicante, a
territorialidade do resto parece cada vez menos com uma base doméstica e
cada vez mais como uma prisão” (p. 31). A velocidade que criou a
mobilidade produziu liberdade para alguns e confinamento para outros.
2. Guerras espaciais: informe de carreira
O espaço foi desde sempre definido em função do corpo do homem e
de suas práticas, sendo necessário impor padrões obrigatórios que deveriam
ser para todos, seguida da proibição de padrões alternativos. Lèvi-Strauss
sugeriu que a proibição do incesto foi o primeiro ato constitutivo de cultura,
impondo restrições da prática humana ao mundo natural.
Note-se que na organização do espaço “o que é legível para alguns
pode ser obscuro e opaco para outros” (p. 36), opacidade que já serviu de
escudo para que as comunidades se defendessem da curiosidade externa e
por vezes hostil, nestes tempos, por exemplo, “pouca coisa diferenciava a
coleta de tributos do roubo ou pilhagem e o alistamento de soldados da
captura de prisioneiros” (p. 36).
O Estado tinha que controlar a transparência do cenário onde os
agentes eram obrigados a atuar; essa batalha pela modernização não passava
disso, uma guerra onde o que estava em jogo “era o direito de controlar o
ofício cartográfico” (p. 37), impondo um único mapa social, desqualificando
qualquer outro. Qual deveria ser o melhor ponto no espaço? Os setores
ganham poder quando aumenta a incerteza sobre si mesmos? Quando não podem ser previstos, “a manipulação da incerteza é a essência e o desafio
primário da luta pelo poder e influência dentro de toda totalidade
estruturada” (p. 41).
Michel Foucalt concebeu o poder de forma muito semelhante, nele, o
panóptico era uma estrutura artificial, no caso uma prisão, onde os internos
eram absolutamente visíveis e os agentes absolutamente invisíveis,
colocando-os em condições diametralmente opostas. Esta situação artificial,
a construção de um espaço especializado para o controle social em larga
escala não era possível, mas era um ideal, que poderia ser perseguido depois
do mapeamento inicial, nesta fase, os mapas não refletiriam as sutilezas do
espaço, mas estes seriam conformados segundo os mapas.
Um exemplo de plano da cidade perfeita é um caso explorado por
Baczko, a história da terra ideal de sevarambes. É a cidade mais bela do
mundo e se caracteriza pela lei e pela ordem, os edifícios particulares são
iguais, exceto por uma pouca suntuosidade das residências de pessoas
importantes, os prédios públicos também são iguais, as ruas são largas e
terminam na praça central, tudo é simples, belo e intercambiável. Um
paraíso da felicidade racional, onde não existe o caos.
Segundo Richard Sennett os espaços públicos estão desaparecendo, e
com ele o homem público, sendo o “uso das desordens” (p. 53). Num local
sem incertezas, não pode brotar a responsabilidade. Nessas localidades o
sentimento de grupo é procurado na ilusão da igualdade, a segurança parece
ser a ausência da diferença, uma uniformidade que é mãe da intolerância. A
cidade de hoje não tem mais muros separando os estrangeiros, seus muros
são internos e separam os concidadãos.
Se o sonho da construção de uma cidade com carne de aço e
concreto, que fosse um verdadeiro panóptico, tal como definiu Foucalt, não
é viável, a tecnologia da informação está mais que resgatando a idéia, está
fazendo ainda mais por ela. ]
3. Depois da nação-estado, o quê?
A tecnologia da informação que permite vigiar é a mesma que
aumenta a velocidade, e com ela a economia ganhou uma agilidade e
mobilidade nunca vistas, não podendo ser controlada pelos estados.
O poder e a influência das organizações supranacionais são forças
erosivas transnacionais que para G. H. Vom Wright esta desgastando o
Estado- nação.
O conceito de globalização substituiu o conceito de universalização
com claro prejuízo à humanidade. A universalização queria tornar o mundo
melhor e expandir as mudanças em escala global, tornar as condições de
vida semelhantes, “talvez mesmo torná-las iguais” (p. 67), mas a
globalização não diz respeito ao que todos nós, ou pelo menos os mais
talentosos e empreendedores desejamos ou esperamos fazer. Diz respeito ao
que está acontecendo a cada um de nós.
Esta lógica garante a livre movimentação do capital e o isenta do
controle político, o estado fraco, “não deve nem tocar em coisa alguma
relativa à vida econômica: qualquer tentativa neste sentido enfrentaria
imediata e furiosa punição dos mercados mundiais” (p. 74). Esta lógica é
também consistente com a proliferação dos estados fracos. “A fragmentação
política, não é uma trava na roda da sociedade mundial” (p. 75).
4. Turistas e vagabundos
O movimento rápido é a essência da globalização. “O espaço deixou
de ser obstáculo, não há mais fronteiras naturais nem lugares óbvios a
ocupar” (p. 85). É na produção do efêmero e do precário que se faz a busca
pela atenção pública, procurando despertar o desejo dos possíveis
consumidores e afastando seus competidores, nos colocando numa situação
de que nada dura e não deve durar, numa situação de consumo muito
diferente de todas as anteriores, sempre houve o consumo, mas agora a norma social “precisa engajar seus membros pela condição de
consumidores” (p. 88), os quais devem cada vez mais serem seduzidos com
atrações que prometam a satisfação, devido a diferentes opções, passando a
idéia de que estão de posse do direito da escolha (p. 92). A única opção
proibida é a de não escolher.
Para os globais o espaço não existe, eles podem vencê-lo num
instante, mas para os locais, os que estão presos, “o espaço real está se
fechando rapidamente” (p. 96). O mundo dos globais é extraterritorial e
cosmopolita, mas para os locais a lei e os muros são cada vez mais difíceis
de transpor. Os globais são os turistas, aqueles que estão em casa em
qualquer parte do mundo, tendo direito de escolha, os outros são os
vagabundos, que não têm escolha, e para eles, “essa angustiante situação é
tudo menos liberdade” (p. 101).
“O vagabundo é o alter-ego do turista. Ele é também o mais ardente
admirador do turista” (p. 102), eles não têm qualquer utopia alternativa, seu
sonho é ser um turista. Vivendo próximos mais separados, e ambos
insatisfeitos, “o que as pessoas tem de fato é assim diminuído pela insistente
e excessiva exibição das aventuras extravagantes pelos mais favorecidos”,
“os ricos se tornam objetos de adoração” (p. 103).
A verdade é que querendo ou não, vagabundos e turistas estão
ligados e “seus destinos e experiências de vida gerados pelas agruras
comuns produzem percepções bem distintas do mundo, das aflições do
mundo e das maneiras de superá-las” (p. 107).
5. Lei global, ordens locais
As pessoas globais também vivem nas localidades, nos seus enclaves
fortemente protegidos, afastando de si os locais, numa situação de quebra da
comunicação intensa, dois mundos próximos, mas o mundo rico é
inacessível aos pobres.
A construção de novas cadeias e o aprimoramento dos códigos traz
benefícios políticos, sobretudo as mais visíveis, “A espetaculosidade —
versatilidade, severidade e disposição — das operações punitivas importam
mais que a sua eficácia” (p. 127), importa mais que a quantidade de crimes
detectados e reportados e serve para “ocupar a atenção do público com os
perigos dos crimes e da criminalidade” (p. 128).
O que coincide com os desejos do mercado, pois o estado produz um
ambiente seguro, ou que pareça seguro, para atrair a confiança dos
investidores, de forma que o caminho mais curto para a prosperidade
econômica da nação é o da pública exibição da competência policial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário