DISPENSA DO INQUÉRITO
POLICIAL MILITAR QUANDO O CRIME E SUA AUTORIA JÁ ESTIVEREM ESCLARECIDOS EM
SINDICÂNCIA
Cap PM ANTÔNIO ALVES BEZERRA FILHO
*Capitão da Polícia Militar de
Pernambuco
* Curso de Formação de Oficiais (APMP/PMPE)
*
Bacharel em Direito (Univ. Católica)
*
Pós graduado em Direito Público (Univ. Potiguar).
Pós graduando em Ciências Criminais Militares
(Faculdade AESO)
O vertente trabalho objetiva trazer à baila a
discussão acerca da prática corriqueira na Corporação de, ao termo da
sindicância, ainda que suficientemente esclarecidos o ilícito penal e a sua
autoria, instaurar-se inquérito policial militar para novamente apurar-se os
fatos. Dessa incongruência surgiu a idéia de estudar se essa solução é
tecnicamente correta ou está colidindo com o princípio Magno da eficiência.
Nesse propósito cabe, inicialmente, ofertar um
conceito de inquérito, tarefa que foi desempenhada magistralmente pelo
doutrinador Tourinho Filho, para o qual o procedimento constitui um o conjunto
de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma
infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa
ingressar em juízo.[1]
A doutrina aponta algumas características desse
procedimento, dentre as quais as de ser escrito, sigiloso, inquisitivo, oficial,
indisponível e dispensável. Essa última está positivada no art. 28, “a” do
Código de Processo Penal Militar, o qual dispõe que o inquérito será
dispensado, quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por
documentos ou outras provas materiais.
O mesmo caminho trilha o art. 33 desse diploma Castrense,
porque também atesta a dispensabilidade do inquérito, ao prescrever que qualquer pessoa, no exercício do direito de
representação, poderá provocar a iniciativa do Ministério Publico, dando-lhe
informações sobre fato que constitua crime militar e sua autoria, e
indicando-lhe os elementos de convicção.
Essa realidade é reforçada pelo § 2º do mesmo dispositivo, ao
dispor que, se o Ministério Público considerar as informações procedentes,
dirigir-se-á à autoridade policial militar para que esta proceda às diligências
necessárias ao esclarecimento do fato, instaurando inquérito, se houver motivo para esse fim. Assim,
se no caso concreto o representante do Parquet
entende ser desnecessária a realização de diligências, ofertará a denúncia
com arrimo apenas nas informações prestadas pelo cidadão.
Dessa forma, vê-se que nem sempre o inquérito servirá de fundamento para a promoção
da ação penal militar, porquanto tal caderno inquisitorial não é, a rigor,
indispensável para a propositura da ação penal, por ser peça meramente
informativa.
Essa posição é defendida pela doutrina dominante, como
ensina Fernando Capez em lições que, apesar de referirem ao inquérito policial
comum, podem ser aplicadas ao Castrense, isso dado ao fato de suas matrizes
teóricas serem comuns. O doutrinador assevera que “o inquérito policial não é
fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério
Público ou o ofendido já disponha de
suficientes elementos para a propositura da ação penal”. [2] (grifamos)
A jurisprudência também vem
reconhecendo a dispensabilidade, assentando que não é essencial a instauração
de inquérito policial ao oferecimento da denúncia, desde que a peça acusatória
esteja sustentada por documentos suficientes à caracterização da materialidade
do crime e de indícios suficientes de autoria, consoante se infere do julgado
abaixo (RTJ, 76/741):
O inquérito policial, procedimento
administrativo de natureza puramente informativa, não é peça indispensável à promoção da ação penal, exigindo-se tão
somente que a denúncia seja embasada em elementos demonstrativos da existência
do fato criminoso e de indícios de sua autoria.[3] (grifos nossos)
A mesmo solução é dada pela
jurisprudência quando os elementos demonstrativos da existência do fato
criminoso e de indícios de sua autoria são colhidos no âmbito de sindicância,
senão vejamos a ementa do julgado que segue:
HABEAS CORPUS - AÇÃO PENAL - DENÚNCIA
FUNDAMENTADA EM SINDICÂNCIA MILITAR - DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL NO
OFERECIMENTO DE DENÚNCIA POR SER PROCEDIMENTO MERAMENTE INFORMATIVO -
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.[4]
Seguindo tal tendência, decidiu também
o Colendo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART.319 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART.319 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.
DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM SINDICÂNCIA. DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE.
I - A peça acusatória deve conter a
exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas
circunstâncias. (HC 73.271/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de
04/09/1996). Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida
conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.
(HC 86.000/PE, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/2007). A
inépcia da denúncia caracteriza situação configuradora de desrespeito estatal
ao postulado do devido processo legal.
II - Na hipótese dos autos, tenho que
a exordial acusatória descreve de maneira satisfatória fato, ao menos em tese,
delituoso que se adequa ao tipo penal previsto no art. 319 do
Código
Penal Militar (prevaricação).
Com efeito, narra a denúncia, objetivamente, que o denunciado teria deixado de
praticar, indevidamente, ato de ofício, para satisfazer interesse pessoal, pois,
segundo afiram a denúncia, "O Comandante em vez de tomar as providências
legais, tendo em vista o visível crime de prevaricação praticado pelo
subordinado, chamou-o em seu gabinete e pediu-lhe que redigisse outro documento
modificando a versão original dos fatos, com a alegação de que daquela maneira
se complicaria visto que seria aberto um procedimento para apurar o motivo pelo
qual não havia sido o militar reformado encaminhado à Delegacia." (fl.
13). Assim, não há como se acolher a alegação de inépcia da proemial. De
qualquer forma, as alegações trazidas pelo recorrente para fundamentar o
pedido, neste ponto, demandam a análise aprofundada dos elementos constantes
dos autos, inviável na via eleita, pois o que se pretende, em verdade, é a
antecipação do mérito da ação penal, medida, à toda evidência, incabível, no
caso.
III - A inépcia enseja, em regra,
nulidade e não o trancamento da ação penal.
IV - O inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não é
pressuposto necessário para a propositura da ação penal, podendo essa ser
embasada em outros elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular (Precedentes desta Corte e do
Pretório Excelso).[5] (grifamos)
Todos os
fundamentos alhures ofertados sugerem que a questão está resolvida. A
realidade, contudo, não é essa, posto que a prática de instaurar-se inquérito,
apesar de existirem nos autos da sindicância fartos elementos probantes
reveladores do crime e da sua autoria, ainda é muito comum no âmbito da Polícia
Militar de Pernambuco. Tal realidade é preocupante porque constitui uma
atividade claramente infrutífera, porquanto visa esclarecer fato que já foi
esclarecido no processo administrativo disciplinar, sendo por isso inócua. Além
disso, essa prática assoberba de trabalho os eventuais encarregados dos
inquéritos e gera gastos desnecessários para a administração pública, ferindo
assim o princípio constitucional da eficiência, estatuído no art. 37, caput, da Carta Política.
O postulado
da eficiência consiste na capacidade de aptidão para obter um determinado
efeito, lançando mão dos menores esforços possíveis, de modo que diz respeito
tanto à otimização dos meios quanto a qualidade do agir final. Sobre ele,
pondera Celso de Mello que “o administrador público esta compelido a agir tendo
como parâmetro o melhor resultado estando atrelado ao princípio da
proporcionalidade, o qual estará sujeito à aferição do controle jurisdicional.”[6]
CONCLUSÃO
A
análise aprofundada da legislação, da doutrina e da jurisprudência revela a
desnecessidade da instauração de inquérito policial militar quando em
sindicância tiverem sido esclarecidas todas as circunstâncias relativas ao
crime e sua autoria. Nessa hipótese, resta à autoria militar apenas remeter
cópia dos autos do processo administrativo disciplinar ao representante do
ministério público com atribuição para funcionar no caso, isso porque a
persistência da solução comumente dada à questão representa um sério atentado
ao princípio Magno da eficiência.
[1] TOURINHO FILHO, Fernando da
Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
198.
[2]
CAPEZ, Fernando, Curso de processo penal. 14.ed.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 72.
[3] STJ/6ª T., RHC 5.094-RS, rel. Min. Vicente Leal, DJU, 20 maio 1996, p. 16472.
[4] TJMS/2ª T., HC 12040 MS 2002.012040-5, rel. Des.
Atapoã da Costa Feliz, DJU, 25 fevereiro 2003, p. 472.
[5]
STJ/5ª T., RHC
22442 PA 2007/0273324-9, rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 28.04.2008 p. 1.
[6]
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 19.
ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 67.