O Min. Marco Aurélio quando proferiu seu voto nos autos do RE 565.089 / SP resumiu a crise constante do Direito hodierno afirmando que “O Direito, tanto o substancial quanto o instrumental, é orgânico e dinâmico”. Assim sendo, é premente que o operador do direito esteja a todo instante e diante da elíptica realidade social que envolve e justifica o direito, rediscutindo seus conceitos e fundamentos. Por se tratar de ciência dogmática, no entanto, não pode o aplicador do direito a pretexto de seu aprimoramento, distanciar-se dos pilares principiológicos da ciência.
A palavra “princípio” vem do latim “principium”, que significa, numa acepção vulgar, início, começo, origem das coisas. Bonavides, referindo-se ao traçado por Luís Diez Picazo define que são eles “onde designa as verdades primeiras”.
Cesare Beccaria, precursor do princípio da legalidade, em sua obra Dei delitti e delle pene - 1764, já alardeava a necessidade imperiosa da publicidade dos atos processuais a fim de que se evitasse ilegalidades na aplicação da pena, tais como prisões indevidas, caças a inimigos políticos, entre outros atos.
Por isso mesmo, a Constituição Brasileira, em seu artigo 37, trouxe, de forma expressa, os princípios essenciais que devem nortear a atividade típica daqueles que exercem a função executiva e dentre eles temos a publicidade.
Etimologicamente, há uma diferença substancial entre as palavras Publicidade e Publicação, no âmbito do Direito Administrativo. Enquanto esta significa a disposição dos atos em Diário Oficial ou semelhante, sendo uma das modalidades de Publicidade, aquela retrata o fato de dar conhecimento, em sentido amplo, seja dos atos em si, como de seus efeitos. Assim podemos infirmar que a publicação conduz a publicidade mas sem identidade conceitual com esta. Neste esteio, temos o ensino de Hely Lopes Meirelles:
"[...] Enfim, a publicidade, como princípio da administração pública abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes [...]"
A Portaria inaugural está para o Processo Administrativo Disciplinar tal qual a Denúncia está para o Processo Criminal. Neste sentido, dada a espécie, socorremo-nos ao Código de Processo Penal Militar que atribuir os elementos imprescindíveis da Denúncia, a saber:
Art. 77. A denúncia conterá: [...] b) o nome, idade, profissão e residência do acusado, ou esclarecimentos pelos quais possa ser qualificado;
Embora pareça que tal requisito seja exclusivo do Direito Penal, é de se notar que há muito os Tribunais superiores tem demonstrado o acertado entendimento que as mesmas garantias devem existir em Processos Administrativos Disciplinares. Neste sentido, o STJ referindo-se a obra de Léo da Silva Alves, citou:
“A Constituição Federal de 1988 equiparou os processos administrativos aos processos judiciais, como se observa na clara redação do art. 5º, LV. Por conseguinte, não há diferença entre funcionário e réu. As mesmas garantias que tem o réu no processo penal, tem o funcionário no processo disciplinar” (STJ, MS 10.837 DF, DJ 13.11.06)
Ainda neste turno, ao mais dos tradicionais e resistentes positivistas, urge relembrar que o Decreto estadual de Pernambuco nº 3639, de 19/08/1975, claramente institui a correlação entre o Processo Administrativo Disciplinar – na espécie, Conselho de Disciplina – e o Processo Penal Militar, e por isso mesmo, obrigando a seguir os moldes do Art. 77 do COM outrora citado.
Kildare Gonçalves de Carvalho, por seu turno, nos relembra em breves linhas que o a importância do princípio da publicidade está intimamente associado ao da impessoalidade, como demonstra o § 1º do mesmo artigo 37 da Carta Magna.
Por outro modo, a inobservância da publicidade do ato também afeta ao direito da ampla defesa e contraditório. Neste sentido, o Prof. Vicente Greco Filhodemonstra que “[...] consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação [...]” e neste diapasão, não é possível supor acusação sem objeto e acusado.
Imaginar a ausência de imputado em Portaria inaugural de Processo Administrativo Disciplinar afeta o próprio interesse de agir que legitima o imputado a atuar exercendo sua ampla defesa. Neste sentido, assim se pronuncia o Egrégio Tribunal, in verbis:
Administrativo. Recurso em Mandado de Segurança. Processo Disciplinar. Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento. Segurança concedida. 1. A Portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado; 2. Ninguém pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas; 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal; 4. Recurso conhecido e provido (ROMS 0001074/91-ES, 2ª Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, ac. Unân., DJ 30-03-92, pág. 03968)
Seguindo na análise da desastrosa conseqüência de um eventual suprimir do nome do imputado em Portaria Inaugural, tal deslinde afetaria substancialmente a legitimidade da atuação disciplinar do Estado em face do servidor público uma vez que, em decorrência de sua inexistência na Portaria [ diga-se, do acusado], inexistiria sua citação para conhecimento de seu teor e com isso desarticulando-se a necessária relação processual entre o julgador e o imputado.
Na Polícia Militar de Pernambuco, acertadamente, perdura vigente Portaria do Comandante Geral que descreve sucintamente os elementos das Portarias administrativas disciplinares:
Port. do Cmdo Geral PMPE nº 638, de 10/07/03
Pub. no SUNOR nº 036, de 14/07/03
Art. 1º. Os Comandantes, Chefes e Diretores deverão mencionar nas Portarias de instauração de Processos Administrativos Disciplinares ( Processo de Licenciamento ex officio, a bem da Disciplina e Sindicância) e de Procedimentos investigatórios ( Inquérito Policial Militar) a narração sucinta do fato e quando possível a autoria do mesmo.
Assim, conclui-se que a necessária inclusão do nome do imputado em Portaria inaugural de Processo Administrativo Disciplinar, em especial quando dos militares estaduais, dá-se em respeito ao princípio da legalidade, vez que exaure, indubitavelmente, o respeito aos princípios da ampla defesa e da publicidade. Por conseguinte, a exclusão do nome do imputado em Portaria inaugural de Processo Administrativo Disciplinar leva incondicionalmente a nulidade de uma eventual punição disciplinar, dada a ilegalidade do processo deste seu nascedouro, a Portaria Inaugural.